Uma mulher nordestina, que cresceu física e musicalmente dentro de um terreiro na periferia de Maceió. Uma voz potente herdada de seus ancestrais. Nossa entrevistada de hoje é a talentosa Naná Martins
Quem é Naná Martins?
Mulher negra, periférica , LGBTQIA+. Sou natural de Alagoas, com fortes raizes africanas. Aprendi desde criança a trazer para o canto a afrobrasileiridade impressa em minha performance. Eu sou do gueto, da capoeira. Cresci no chão batido do terreiro ao som dos atabaques. Sou Naná mas também sou Janaina, sou de Nanã, sou de Iemanjá. Sou filha de Neide e de Milton. Irmã de Luzia, Júnior e João Paulo. Eu sou da música.
Como começou a carreira?
A relação com a música vem desde criança. Tocando e cantando em festas familiares, no Centro de formação e inclusão social inaê, projeto social criado por minha mãe, Mãe Neide Oyá D’Oxum.. Aos 19 anos recebi a proposta de cantar no grupo de maracatu Coletivo afro Caeté. 3 anos depois , iniciei minha carreira solo.
Como está sendo sua vida nesse período de pandemia sem shows?
É um momento muito difícil. Fiz algumas gravações, fiz live minha e também participações em Lives, como fiz com o Marrone em Goiânia. É preciso se ter empatia pra cuidar dos outros , de você, e dos seus. Estou usando muito esse tempo pra compor e investir no meu trabalho próprio. Nessa reconstrução da imagem de Naná , visando mais meu trabalho autoral. É algo muito pessoal e que agora estou tendo a oportunidade de mostrar.
Qual foi sua maior dificuldade no início da carreira?
Sou mulher negra, da periferia, quando criança já comecei a me reconhecer quanto artista.. Os espaços e oportunidades de mostrar meu trabalho são sempre reduzidos. Então não digo que existe uma só maior dificuldade, mas sim essa dificuldade que nos acompanha. Tanto a mim quanto a toda mulher negra periférica. É preciso ter muitos abraços amigos e muito acolhimento para não desistir no meio do caminho.
Como fica a família nessa história, eles apoiam sua carreira?
Minha família é minha base. Estão sempre comigo, me apoiando. Tudo o que escrevo tem um pedaço deles, da nossa história, e do contexto social qual vivemos.
Do nordeste para o Brasil. Você pensa expandir sua carreira nacionalmente?
Sim. Penso e quero. Já fiz alguns shows como abertura da Virada afro cultural em Amapá, participação no trio do Araketu no carnaval, cantei com Marrone em Goiânia. Agora estou tendo a oportunidade com meu novo trabalhado autoral, meu clipe Oyá ê. Tem muita coisa boa por vir.
Já sofreu preconceito por ser negra?
Desde criança, menina negra, umbandista. Queriam me obrigar a esconder meus cachos alisando meu cabelo, a esconder minha religião me demonizando, me diminuindo. Mas tenho a sorte de ter uma família que sempre me apoiou e fiz do preconceito combustível pra ser mais forte. Nunca me escondi, não me escondo. Aprendi a lidar com o preconceito. Mas que triste que temos que passar por tudo isso. Não devia e não deve ser assim. Não é bonita essa resiliência, é triste sermos obrigadas a ser tão forte assim..
Estamos vivendo um momento em que a luta contra o racismo tem tomado cada vez mais as manchetes ao redor do mundo. Você vê uma evolução nesta discussão?
Nós estamos cada vez mais conquistando o espaço que sempre foi nosso por direito. Nossas vozes ecoam. Graças aos que hoje gritam por liberdade , mas também aos que no passado gritaram para que pudéssemos hoje ocupar um espaço de visibilidade. Há muito o que se caminhar.
Te incomoda vê pessoas muito famosas que se mantém caladas com assuntos sérios?
Me incomoda. Mas tento sempre colocar o foco nas que estão lá por nós. Elas sim merecem nosso amor, respeito e nossa força.
OYÁ Ê está linda! O clipe e figurino estão maravilhosos! Parabéns. Como foi tirar esse projeto do papel?
Oyá Ê é um sonho realizado. Uma música autoral, então por si só já é algo muito íntimo. É uma música que fiz pra minha mãe. Tem esse amor puro. Essa ligação de mãe e filha. Tentei falar dela e transformei isso em música. Esse projeto foi abraçado pela produtora SPN, que transformou minha música em poesia na tela. As atrizes Pérola Ramos e Alice Carvalho trouxeram ainda mais doçura pra todo esse trabalho que ficou realmente incrível.
Como você se vê daqui a dez anos?
Me vejo com vários trabalhos lindos e transmitindo todo esse trabalho para ainda mais pessoas. Alcançando um público que se identifica com meu trabalho. Com muitas nanás por aí que não tiveram a oportunidade de fazer música. Quero poder dar voz à essas meninas e meninos.
Qual a principal mensagem que você busca transmitir em suas canções?
Falar do nosso amor preto, da nossa cultura, nossos orixás. Cantar contra o racismo.
Qual seus planos para o futuro?
Tem um DVD lindo que está pra ser construído. Com um repertório lindo e repleto de músicas autorais. Vamos colocar nossa música no mundo, no gueto, na periferia e na burguesia. Vão ter que nos engolir. Pretos no poder!
Fonte: TV Gazeta